Entrevista
para
Raphael Vidigal
A independente Selmma Carvalho lança festa própria
Desde que foi indicada ao Prêmio Sharp na categoria “cantora revelação”, em 1997, muita coisa rolou na trajetória de Selmma Carvalho. Acompanhada, à ocasião, pelo amigo, jornalista, compositor e conterrâneo Ezequiel Neves – conhecido, sobretudo, pelas parcerias com Cazuza – a entrevistada lançara um ano antes o seu primeiro disco. Natural de Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, hoje ela celebra o lançamento e os shows de “Minha Festa” no tom apropriado. “Um ano após a gravação do meu terceiro CD, ‘O que será que está na moda?’, eu já pensava no próximo, mas não sabia ao certo o que queria”, confessa. No repertório, além de quatro canções autorais, uma novidade na carreira, figuram composições de Samuel Rosa, Nelson Cavaquinho e parcerias com Sérgio Moreira, Vander Lee e Paulo Santos.
“Quando resolvi gravar, tinha somente umas quatro canções em mente e algumas composições próprias ainda por terminar. Por isso mesmo, a maior parte do repertório foi definida ao longo do processo de gravação”, contorna Selmma, que faz questão de ressaltar a importância do produtor Rogério Delayon. “Conversamos muito sobre sonoridades, timbres, músicos convidados, vocais, participações especiais. Construímos aos poucos, experimentando instrumentos e ouvindo os resultados. Com certeza, a etapa mais demorada de todo o processo.”, afirma. Entre os participantes estão Chico César, Sérgio Pererê e Fred Martins. Com mais um CD lançado de forma independente, Selmma pretende seguir nesse caminho. “Sou independente desde o primeiro CD, portanto nem penso em procurar uma gravadora, somente meu segundo álbum tem o selo da CPCUMES, de São Paulo”.
BARULHO
Selmma Carvalho já apareceu fazendo barulho. Em sua estreia no mercado fonográfico contemplava com sua voz as criações que iam de Lobão a Luiz Gonzaga, passando por Walter Franco, com um tempinho de parada em Djavan, Sá & Guarabyra e Vinicius de Moraes. No segundo título não deixou por menos. “Cada Lugar Na Sua Coisa”, de 2000, trazia esta canção de Sérgio Sampaio, e outras de Zeca Baleiro, Jorge Mautner, Carlos Careqa, Mathilda Kóvak e Danilo Caymmi. Já “O Que Será Que Está Na Moda?”, lançado em 2006, com o irreverente questionamento, pescava uma pérola de Batatinha aqui, outra de Verônica Sabino acolá, e assim por diante. “Tenho muitas participações em outros CDs também, dois infantis, discos de outros artistas, vocais e coletâneas”, arredonda Selmma. “Tive uma infância muito musical, minha madrinha e professora de piano foi quem me deu as primeiras lições”, recorda.
Com formação em piano clássico através do Conservatório da Universidade Federal de Minas Gerais, a cantora iniciou esse contato ainda no lar. “Na casa da minha avó, em Nova Lima, aconteciam muitos saraus, várias pessoas da família tocavam piano, era sempre uma festa. A discoteca da casa do papai sempre teve o melhor da música brasileira e internacional, cresci ouvindo música”, orgulha-se. Sobre a entrada na carreira artística Selmma dispensa a ideia de um planejamento específico. “Na verdade não foi uma decisão, as coisas foram acontecendo de uma maneira muito leve, na verdade nunca tive essa intenção, cantava por cantar, por prazer, por gosto, mas por conta do incentivo de amigos e outras pessoas que me ouviam em aniversários, festas…, pensei melhor, fiz algumas aulas de canto e seguiram aparecendo convites para cantar, participar de shows, quando dei por mim já estava completamente envolvida”.
CELEBRAÇÃO
Apesar de descontraída e de propor no mais recente CD uma celebração, Selmma guardava, a sete chaves, num baú histórico, segredo que só agora vem à tona. “Sempre escrevi, brincava com harmonias no piano, inventava, tudo muito natural até que mostrei algumas músicas a amigos que me incentivaram, e me deu uma vontade danada de mostrar esse lado escondido, somente no meu quarto CD”, confidencia. Entre as referências literárias Selmma é capaz de citar “Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Paulo Leminski, Isabel Allende, Oswaldo França Júnior, Fernando Sabino, Ariano Suassuna, Rubem Alves, Clarice Lispector, Cora Coralina, Cecília Meireles”, entre tantos. E enumera as referências de canto: “Elis Regina, Clara Nunes, Leny Andrade, Zizi Possi, Cesária Évora, Carole King, Diana Krall, Nora Jones, Fátima Guedes, Amelinha, Rita Lee, Dido, Karen Carpenter, Annie Haslam, Joyce, Wanderléa, Jane Duboc”.
E se estende para outras vertentes da área cultural. “Sou muito eclética, gosto da arte moderna, renascentista, barroca, cinema europeu, adoro desenho animado e de muitos filmes brasileiros”, elogia. Já em relação ao atual momento da música brasileira e sua relação com a indústria, a intérprete é reticente. “O mercado musical é particularmente complexo. O artista independente enfrenta dificuldades na gestão, organização, estruturação de projetos e de carreira. Não é nada fácil projetar com credibilidade a identidade e o trabalho, quer junto à mídia, quer junto aos amantes da música e ouvintes”, considera. Mas Selmma também aponta saídas e soluções. “Ter consciência dessas dificuldades é importante para não gerar frustrações. Apesar de tudo, é importante insistir. Se o trabalho for bom, dia menos dia ele vai acontecer. Temos muitas ferramentas de trabalho, muitos canais interessantes na internet, muitas opções. Mas é preciso estar sempre ligado e não desistir”.
FORMATOS
Selmma tem opinião definida sobre a mudança nos rumos da cultura e apresenta seus argumentos. “O mercado fonográfico precisa se adaptar aos novos formatos, à influência das novas tecnologias de informação, sobretudo a internet. Com a era digital, muda tudo. Nunca se produziu tanta música quanto hoje, e isso envolve os independentes em todos os lugares do mundo. A meu ver, o que realmente precisa mudar é a qualidade do que é produzido”, sentencia. Apreciadora também de música erudita afirma que por um bom tempo foi ligada “no universo de Bach, Mozart, Franz Schubert, Beethoven, Franz Liszt, Astor Piazzolla, Villa Lobos, a lista é enorme!”, diz. Hoje com um trabalho ligado à música popular e de ecletismo ímpar, não se limita em preconceitos. “Todas as vertentes musicais, quando boas e criativas, são permanentes. Dos grandes clássicos do samba aos experimentais, novos compositores com propostas diferentes, qual estilo for”, vaticina.
Em relação ao alcance da música, principalmente distante do eixo Rio-São Paulo, morando e produzindo em Belo Horizonte, Selmma não se ressente. “Quem faz sucesso nacional hoje? Não me agrada nem um pouco o que a televisão brasileira mostra, o que a maioria das rádios toca, prefiro nem comentar”, cutuca. E denuncia uma prática prejudicial ao intento da arte. “Belo Horizonte tem espaços culturais muito bons, artistas expressivos, excelentes compositores e cantores, vários projetos interessantes, mas infelizmente, na minha visão, existe um monopólio grande por aqui, em relação às escolhas. Percebo que acontece em todos os lugares. Muitos artistas ficam de fora de grandes eventos, sendo que outros são figuras fáceis em qualquer ocasião, uma repetição de nomes, sendo que a gama de artistas é enorme e muitos não têm oportunidade de mostrar seus trabalhos”, declara. Para em seguida cristalizar seu trabalho. “Como dizia Tom Jobim, minha música não é de levantar poeira. Vejo e sinto assim o CD “Minha Festa”, tem um ritmo que é agradável, embala, um casamento feliz entre arranjos e melodias”, arremata. Vá conferir de perto o que Selmma lança.